O Progresso Através dos Tempos - O Progresso - Léon Denis - [CAP02]

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Capítulo II
O Progresso - Através dos Tempos

A idéia que se faz dos primeiros tempos da humanidade é geralmente falsa. Criou-se, a propósito, uma multidão de lendas religiosas, lendas da idade de ouro, do paraíso terrestre, sob cuja narrativa nossa infância foi embalada.
A Ciência fez justiça dessas invenções, encontrou, nas camadas geológicas que compõem a crosta terrestre, os instrumentos e os objetos de que se serviam os primeiros homens e, com o auxílio desses restos, ela reconstituiu toda sua existência.
Esses primeiros homens eram o que são ainda hoje os selvagens da Oceania. Viviam em luta contínua com os animais ferozes que pululavam pela Terra, habitando cavernas ou construindo cabanas sobre estacas, acima dos lagos.
Tinham, como armas e instrumentos, apenas pedras talhadas em forma de machados, facas e lanças; para vestimenta as peles das feras que eles matavam. Pouco a pouco, no passar dos tempos, aparecem os instrumentos de metal, o bronze, as cerâmicas, enfim o ferro, com cujo auxílio o homem talha a pedra, fende os troncos das árvores e constrói cidades.
Então, no céu da humanidade aparece a aurora pálida e confusa de uma civilização rudimentar.
O homem constrói a primeira cidade (civitas), de onde nasceu a palavra civilização, e desde então, com a vida em sociedade, começa a vida moral.
A vida isolada é a vida egoísta, a vida selvagem; a vida em comum é a vida moral, que faz nascer o direito e o dever, a única para a qual o homem foi criado, na qual este pode desenvolver suas faculdades, descobrir as leis de justiça que regem as sociedades e os mundos.
Inicialmente, é nas vastas planícies do Oriente que a civilização nascente passeia com a sua flama. Ela procura um asilo seguro, uma casa preparada e não a encontra. Acende grandes fogos que iluminam a terra, mas que logo se extinguem, e o progresso nascente vai de cidade em cidade, de povo em povo, sem encontrar onde parar.
Ela parte da Índia, brilha um momento na Babilônia e depois troca a Babilônia por Nínive.
De Nínive passa para os Persas e daí para o Egito, deixando atrás de si impérios arruinados pela corrupção e pela indolência, cidades destruídas no meio das orgias e da carnificina.
Essas cidades eram imensas e esses impérios prodigiosos.
Vamos agora às planícies orientais buscar os túmulos dessas civilizações desaparecidas. Não resta nada!
O vento dos desertos varreu a poeira das antigas cidades e o árabe, que é o único que hoje percorre essas solidões ao galope de seu cavalo, ele próprio não saberia dizer em que lugares outrora aquelas existiram. Do Egito a civilização passa para a Grécia e lá ela se expande. É que ali, finalmente, ela encontrou o lugar, a casa tão procurada, de onde vai brilhar sobre o mundo. Debaixo do belo céu da Grécia, o gênio humano vai se revelar pelas criações artísticas que permanecerão pelos tempos futuros e pelos modelos de pureza e de harmonia.
Monumentos como o mundo jamais verá, estátuas de uma perfeição de formas ideal se elevam nas cidades gregas e, ao mesmo tempo em que o sentimento do belo se revela com tanto esplendor, a filosofia grega oferece ao futuro essas criações do pensamento que ainda servem, depois de vinte séculos, para a educação de nossos filhos.
Todavia não é apenas a Arte e a Filosofia que brilham na Grécia com um fulgor tão vivo. Nela também a civilização se manifesta pelas instituições políticas e sociais de uma grande perfeição.
Nas repúblicas gregas gozava-se de uma liberdade maior que aquela que nós próprios possuímos. Cada cidadão participava da soberania nas tarefas do país; pobres e ricos, todos eram iguais em direitos e a justiça era distribuída gratuitamente.
Comparando as instituições gregas com as nossas, os pensadores se desiludiram do progresso, crendo que jamais a civilização grega havia sido igualada e que, após tantos séculos de decadência, a humanidade não havia chegado ainda a esse nível.
Entretanto não nos enganemos, senhores; essa é uma opinião errada. Julga-se mal a civilização grega, analisando-a somente pelo seu brilho. Essa civilização é mais de superfície e não de profundidade.
Eu me explico: tomemos Atenas como exemplo. Ela possuía vinte mil cidadãos, gozando de todos os direitos civis e políticos, beneficiando-se dos princípios de liberdade e de igualdade que são a força e a grandeza das sociedades humanas, entretanto a população de Atenas era de mais de duzentos e vinte mil habitantes. Que eram então os outros duzentos mil? É aqui que chamo toda a vossa atenção; é aqui que está a solução do problema. Os outros duzentos mil habitantes de Atenas eram escravos, isto é, homens mortos para a vida política, mortos para a vida social.
E exaltam, agora, a superioridade das instituições gregas sobre as nossas. A escravidão! Eis o abismo que separa as civilizações antigas da civilização moderna.
A Grécia, corrompida pelo luxo, pelas divisões internas, pela indolência (conseqüência inevitável da escravidão), deixa passar para as mãos de Roma a flama da civilização nascente.
Enquanto os romanos permanecem sóbrios, virtuosos, insensíveis à fadiga, eles dominam o mundo antigo e imprimem a essa confusão de nações, agrupadas em volta do Mediterrâneo, um espírito de ordem e disciplina e uma organização sábia que os homens ainda admiram. Eles cobrem a terra com esses prodigiosos trabalhos, cujas ruínas despertam nossa admiração; porém, desde que o vício e a corrupção invadem o Império Romano, essa poderosa civilização se desmorona por toda parte.
Das regiões do Norte, das florestas da Germânia, ondas de bárbaros se lançam sobre o império e o estraçalham, dividem-no, reduzindo-o a poeira.
Os povos se entrechocam, se exterminam, sobrepondo ruínas sobre ruínas, e nesse grande cataclismo a arte, a civilização, tudo se arruína, tudo desaparece.
Então começa, para a humanidade, para o progresso, uma noite de doze séculos, doze séculos de dor, de trevas, que vão pesar no mundo até a Renascença e até a Reforma. É a Idade Média, a idade de ferro, a idade do feudalismo, a idade onde as fogueiras crepitam, onde o sangue corre em torrentes nas salas de tortura, onde as incontáveis forças se erguem com os seus frutos sinistros.
Em nosso país os conquistadores do norte repartiram a terra e os filhos dos gauleses se tornaram servos. Ah! quem poderá dizer, quem poderá medir tudo quanto sofreram nossos antepassados. Agregados ao solo, não são mais homens, porém bestas de carga.
Todavia uma nova fé aparece no mundo. Ao paganismo romano sucedeu a religião do Cristo. A voz do grande sacrificado bradou do alto do Calvário, dizendo a todos: “Amai-vos!” E uma doutrina de paz, de fraternidade se expandiu pela Terra; porém, enquanto o Cristianismo dos primeiros tempos era grande e puro em sua austera simplicidade, o Catolicismo da Idade Média era esmagante e impiedoso para os pequenos. As doutrinas católicas fizeram do céu a imagem da Terra. Deus reina ali, cercado de seus santos, da mesma forma que aqui embaixo o rei no meio de seus senhores e o senhor no meio de seus vassalos.
Os conquistadores, os vencedores são os nobres, os eleitos; os vencidos são os servos, os vilões e os reprovados.
Para uns as festas, o prazer, a vida alegre; para os outros o trabalho sem descanso, as privações, a miséria, o medo do diabo e a perspectiva do inferno. Acima de tudo domina o arbítrio; a graça reina no céu, aqui reina o favor; o direito e a justiça, em nenhuma parte. Aliás, não havia então a justiça, porém as justiças.
Ainda existem várias localidades com esse nome. Quando se escava a terra, descobrem-se camadas de ossos, esqueletos retorcidos e esquartejados. Sabem o que eram essas justiças? Eram os lugares onde se elevavam os poderes senhoriais e esses cadáveres são dos pobres servos que tentaram sacudir um jugo muito duro!
Não lembramos todas essas coisas com o objetivo de reavivar ódios extintos. Não, ódio não temos mais. Devemos alertar os homens que preconizam as instituições da Idade Média, que as elogiam e que, se pudessem, fariam-nas renascer. Com a mão sobre a História, devemos responder e dizer uma coisa: a verdade!
A verdade é que o povo da Idade Média esteve curvado durante mais de dez séculos sob o peso de todas as opressões. Acorrentado à terra que ele cultivava, considerado como um objeto, o servo vivia uma vida de animal, atrelado ao moinho que ele movia o dia inteiro.
Coberto de farrapos, habitando cabanas sórdidas, o servo se alimentava do que a conveniência do senhor lhe quisesse deixar.
Sem alegria no presente, sem esperança no futuro, ele não era livre para dispor dos seus, de sua esposa, de seu filho, propriedade do senhor. Cada recém-nascido do servo era um escravo, um miserável a mais sobre a Terra. Por vezes, quando o senhor se mostrava mais cobiçoso, quando os participantes da guerra saqueavam as províncias, a vida se tornava tão difícil, a fome fazia tais devastações, que os servos, tangidos pela fome e pelo desespero, se revoltavam em massa e sob o nome de Jacques e de Pastoureaux, iam buscar na morte o esquecimento e o fim de tantos males.
Eis o que era a existência para o povo daquela época que escritores chamam ainda de bom velho tempo, sim o bom tempo para os senhores e para os monges!
Eis o que eram nossos antepassados, os servos; sim, nossos antepassados!
Confessemos bem alto, filhos do povo, nós somos os filhos dos servos, dos vilões.
É nosso título de nobreza e nós o desejamos fortemente. Somos os descendentes daqueles que regaram a terra com seus suores para alimentar a humanidade e eis por que praticamos a santa lei do trabalho, pois amamos a justiça. Eis por que glorificamos 1789, porque 89 veio dizer a esse servo:
“Que esta terra que tu regas com tuas lágrimas seja tua terra! Que esta casa te pertença; que tua filha seja sagrada para todos. Que a noite que envolve tua alma se dissipe com a luz da instrução, a fim de que uma existência nova comece finalmente e que a hora da reparação soe para ti!”
No meio dessa sombria época em que domina o feudalismo unido à teocracia romana, como se reduz o pensamento!
O pensamento parece encoberto, obscurecido e extinto para sempre. Todavia não nos enganemos: o pensamento não está morto; ele vela, faz sua caminhada, tímida e subterraneamente, porém caminha.
É como a semente durante o inverno: enterrada no solo, fermenta lentamente, até quando possa nascer para a luz e produzir seus frutos.
Cedo o pensamento apresenta sua preciosa semeadura; é a primavera, a renascença do progresso e da razão! O pensamento humano desperta e busca sacudir o peso que o esmaga.
Emprega-se contra ele o ferro, o fogo, a tortura, porém inutilmente. Ele se fortifica nos suplícios e cresce sempre.
Pensam esmagá-lo logo, na cruzada contra os Albigeois, porém eis que reaparece com Jean Huss, Jerônimo de Praga, os Vaudois.
Para o carrasco, Jean Huss! Para o carrasco, Jerônimo de Praga, para o carrasco, todos os renovadores!
E os inquisidores da fé vão por toda parte, usando seu machado, sua tocha e os instrumentos de suplício. Ondas de sangue correm em nome de um Deus de misericórdia e incontáveis vítimas são sacrificadas.
Oh! Então o germe da heresia deve ser aniquilado, porém eis que dos vales da Europa Central se eleva um grito de protesto contra os excessos do Catolicismo, um grito formidável de liberdade.
A razão reaparece com os apóstolos da Reforma. A unidade católica se partiu e o jugo da teocracia romana foi rejeitado por vinte milhões de homens.
O Protestantismo proclama o princípio do livre exame e, apesar dos punhais de Saint-Barthélemy, apesar dos sabres dos dragões, do exílio e da Bastilha, é desse princípio do livre exame, ampliado e fortalecido, que sairá a filosofia do século XVIII e o livre pensamento moderno.
E eis que o pensamento renascente descobre um recurso para se expandir no mundo, um instrumento admirável. Um homem funde caracteres de metal que se agrupam e formam palavras: é a imprensa.
Graças a ela, o livro, tão raro, tão custoso quando era só um manuscrito copiado a pena, o livro e, mais tarde, o jornal vão penetrar até nas mais humildes residências, iniciando o camponês e o operário na vida intelectual; arrancando, um a um, de suas almas os instintos grosseiros que a servidão engendra, preparando-os para a liberdade.
Desde então, o pensamento toma seu impulso e avança com passo rápido.
A Arte resplandece; a Ciência sonda os céus profundos e revela a suprema harmonia dos mundos.
A Filosofia cuida dos maiores problemas, a História se esclarece. A Igreja e os tronos ficam abalados, as velhas crenças e as superstições batem em retirada; a razão e a consciência se expandem e esse imenso trabalho de elaboração, que dura três séculos, chega enfim à formidável explosão moral que denominamos Revolução de 89, explosão esta que, abalando a velha sociedade autoritária e feudal, fez nascer na face do mundo a moderna civilização, apoiada em bases inabaláveis: o direito e a liberdade.
A Revolução é para nosso país, para nossa raça, o que é, para cada um de nós, a hora de sua maioridade.
É a sociedade humana tomando posse do governo de si mesma, substituindo o reino da justiça ao do favor, a lei ao bel-prazer, a liberdade à escravidão.
Na ordem política e social, o passado, para dirigir os homens, invoca uma vontade superior, uma vontade exterior à consciência.
É nas crenças obscuras, nas revelações sobrenaturais, é muitas vezes na forma brutal que as instituições da Idade Média encontram as fontes da autoridade. A Revolução põe as bases da nova ordem social sobre leis imutáveis da natureza e sobre os eternos ensinamentos da razão. Nada de milagres, nem revelações. É na consciência humana que se encontram os princípios que darão autoridade para todos, quando forem proclamados pela vontade nacional e convertidos em leis pelos eleitos do povo.
Eis o direito moderno e não apenas o dos franceses, porém o de todos os homens, direitos que, acompanhados dos deveres correspondentes, ficarão inscritos um dia em cada povo no alto de sua Constituição.
Os constituintes de 1789 não falaram somente para a França, mas para o mundo inteiro. É a grandeza e a glória imortal da Revolução Francesa, por ter inaugurado esses princípios de igualdade, solidariedade e fraternidade em torno dos quais as nações se unirão um dia como membros de uma única família, da grande família universal.
Senhores, nessa rápida exposição da marcha do progresso através dos tempos, eu paro na Revolução.
Com efeito, a Revolução é o abismo que se coloca entre duas épocas: uma marcando a infância da humanidade e a outra sua idade adulta. Antes da Revolução, o mundo olha para trás e acredita na queda, na decadência, pondo toda sua confiança nas lendas religiosas.
A partir de 1789, o mundo olha o futuro, o homem só conta com sua própria iniciativa, seu trabalho, seu gênio, para criar esse futuro que será tanto maior quanto maiores forem os esforços para prepará-lo. A Revolução, é preciso dizê-lo, se fez no meio de uma geração que não tinha maturidade.
A ignorância, a luta de interesses egoístas impediram o desenvolvimento durante oitenta anos. Hoje, amadurecida pelas provas, nossa geração religa a cadeia interrompida do progresso.
Pacífica, porém resolutamente, ela retoma a obra de nossos antepassados para continuá-la em todas as suas conseqüências lógicas, para realizar a emancipação intelectual e moral do gênero humano.
Vejamos, portanto, o que é o presente, a quem está reservada essa tarefa, o que faz sua força, o que faz sua fraqueza, o que temos de fazer nós mesmos para torná-lo grande e frutífero.


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